• 28 de março de 2024

Redução da jornada está voltando à ordem do dia no Brasil

 Redução da jornada está voltando à ordem do dia no Brasil

Atordoado pela perda de finanças e os golpes diuturnos contra o Direito do Trabalho, o movimento sindical brasileiro ainda não se deu conta. Mas a redução da jornada de trabalho parece estar voltando à ordem do dia no Brasil.

Desta vez, curiosamente, isto ocorre não por iniciativa de representantes da classe trabalhadora. O debate é hoje suscitado por um grupo de empresários inovadores, principalmente do setor tecnológico, que decidiram, por conta própria e tendo em vista o que está acontecendo em outros países, introduzir no país a jornada de quatro dias.
As empresas Crawly, NovaHaus, Winnin, AAA Inovação, Gerencianet e Eva estão entre aquelas que adotaram o modelo, reduzindo a carga horária de 40 horas para 32 horas semanais sem alteração de salário. Não se arrependeram. Relatam melhorias significativas na produtividade e intensidade do trabalho.


Sexta-feira será o novo sábado
A semana de quatro dias não chega a ser novidade na Europa. Islândia, Reino Unido, Bélgica, Nova Zelândia, Escócia, inauguraram a moda.
No próximo ano, Portugal promete implementar em larga escala um projeto piloto da jornada de quatro dias (segunda, terça, quarta e quinta) nas empresas privadas e públicas, que está sendo coordenado pelo professor da Universidade de Londres, Pedro Gomes, autor do livro “Sexta-feira é o novo sábado”.


O governo português promete apresentar maiores detalhes do projeto em outubro durante reunião com representantes dos movimentos sociais.
O tema está sendo discutido, agora, sob uma ótica que não é estranha aos teóricos da classe trabalhadora, embora seja pouco abordada pelos sindicalistas: a relação da extensão da jornada com a produtividade e a intensidade do trabalho e, por consequência, com a competitividade relativa das nações. Produtividade, intensidade e jornada de trabalho têm tudo a ver.


Jornada, produtividade e intensidade do trabalho
Convém lembrar que Karl Marx já chamava a atenção para isto, indicando, com base nas lições da história, que a redução da jornada propiciava tanto o aumento da produtividade quanto da intensidade do trabalho, fatores que fazem toda a diferença no desenvolvimento das nações e nas respectivas posições que estas ocupam na Divisão Internacional do Trabalho.
Ele viveu numa época marcada pela inconteste liderança industrial da Inglaterra sobre o mundo. Em circunstâncias iguais, o fabricante inglês poderia conseguir, num determinado tempo, uma quantidade de produtos consideravelmente maior que a obtida por fabricante estrangeiro num mesmo ramo de produção, contornando com vantagem a diferença na duração do trabalho que por lá era de 60 horas por semana contra 72 a 80 horas em outros países.


Em nota no capítulo XV do livro 1 de O capital, ao comentar a diferença de competitividade da Inglaterra em relação aos demais países europeus, Marx fornece uma receita: “Maior redução legal do dia de trabalho nas fábricas do continente seria o meio infalível para reduzir essa diferença qualitativa entre a hora de trabalho inglesa e a do continente”.
No caso a diferença é explicada não só pela produtividade mais elevada, mas principalmente pela maior intensidade do trabalho, que decresce quando a jornada se alonga e é excessiva. A experiência histórica revela que a jornadas menores correspondem produtividade e intensidade mais elevadas do trabalho.


As profícuas observações do célebre pensador alemão sobre as relações entre jornada, produtividade e intensidade do trabalho foram registradas em sua obra prima há mais de 150 anos. Percebe-se que não ficaram obsoletas após o fim do século 19. Tornaram-se mais atuais em nossa época em função do avanço extraordinário da produtividade do trabalho verificado desde então. Em geral a redução da jornada provoca o aumento da produtividade e da intensidade do trabalho e é este fenômeno que sobressai nas experiências sobre a semana de quatro dias.


Posição do empresariado
Em geral, o empresariado reage com franca hostilidade à reivindicação da classe trabalhadora pela regulação e redução da jornada, que é resultado de uma luta multissecular, como observou Marx. Isto transpareceu durante a Assembleia Constituinte instalada em 1986 e concluída em 1988. Um dos motivos para a criação do funesto Centrão, naqueles anos, foi impedir a limitação da jornada de trabalho a 40 horas semanais.
A reforma trabalhista imposta pelo governo golpista de Michel Temer, elaborada na sede de uma confederação patronal, a CNI, também refletiu isto, introduzindo uma flexibilização perversa nos contratos (como a modalidade do trabalho intermitente, uma infâmia, entre outras) e o alongamento do tempo de trabalho.


Provavelmente de forma inédita, desta vez o debate e as iniciativas sobre o tema, no rastro dos efeitos da pandemia do novo coronavírus, provêm do próprio meio empresarial ligado às inovações tecnológicas e, até o momento, ocorrem à margem das centrais sindicais.


Jornada e emprego
Se as urnas confirmarem o favoritismo de Lula e consagrarem sua vitória na disputa pela Presidência, conforme sugerem as pesquisas, a bandeira da redução da jornada e da semana de quatro dias deve ser elvantada com mais vigor e pode sensibilizar a juventude trabalhadora, que possui hoje um grau de escolaridade maior do que no passado.
São múltiplos os efeitos da redução da jornada. Além de promover a produtividade, ampliar o tempo de convívio familiar, estudo e lazer do ser humano que trabalha a jornada de quatro dias tende a ter impactos altamente positivos sobre a oferta de emprego.


O nível de emprego é inversamente proporcional à duração da jornada de trabalho, ou seja, quanto maior a jornada menor o nível de emprego e vice-versa. Esta lei do mercado de trabalho é reconhecida de forma velada pelo patronato (e transparece) nos acordos de redução de jornada com redução proporcional de salários, celebrados com o propósito de preservar empregos.


A participação de setores do empresariado nesta batalha secular da classe trabalhadora pela redução da jornada, que inspirou a criação do 1º de Maio, é uma novidade alvissareira que pode favorecer os interesses da classe trabalhadora, da economia e da sociedade brasileira.
Leia abaixo a reportagem da jornalista Sandra Evangelista para o site greenMe sob o sugestivo título “Jornada de trabalho de 4 dias pode mudar a visão empresarial de produtividade”:


(…)
Debatido em todo o mundo e já adotado por alguns países, a proposta de redução da jornada de trabalho para quatro dias na semana tem ganhado força entre os brasileiros. Apesar de os projetos de lei que estabelecem a jornada de trabalho para 32 horas semanais — ao invés de 44 horas — estarem parados no Congresso, a atual legislação trabalhista permite que os funcionários trabalhem menos.
Nesse cenário, experimentos nacionais já mostram os benefícios da redução.  Empresas como a Agência Shoot se destacaram pelo pioneirismo em estabelecer esse modelo no país. Luciano Braga, CEO da organização, destacou à Educa Mais Brasil que o interesse em trabalhar na empresa cresceu 300% após a redução da jornada na agência.
Especialista em neurociência comportamental e produtividade, Yuri Utida explica que o mercado de trabalho tradicional é fruto de uma Era Industrial — oriunda de 1920, quando a montadora estadunidense Ford instituiu a lógica de cinco dias de trabalho e dois de descanso para aumentar a produtividade e reduzir o absenteísmo nas fábricas. Entretanto, a lógica de um horário comercial inflexível não reflete a sociedade atual.
Na era da hiperconectividade, com internet, smartphones e a infinidade de ferramentas e possibilidades, questionar esse modelo é natural, segundo o neurocientista, em especial após a Covid-19. No estudo The Case for a Four-Day Week, da New Economic Foundation, argumenta-se que a semana de trabalho mais curta deve ser o cerne de uma recuperação pós-pandemia, pois produz colaboradores melhores, menos estressados, com menores doenças laborais e possibilita a criação de novos empregos.


“Nós vivemos com tecnologia e flexibilidade nas nossas vidas, nos relacionamentos, nos estudos e até na forma como compramos. Por que essa lógica não deve valer para o mercado de trabalho? É debatido que isso é um reflexo da pandemia, quando na verdade essa é uma necessidade que já existia desde o começo dos anos 2000. Isso, não apenas pela possibilidade de trabalhar de casa ou ter uma jornada de trabalho flexível, mas porque modelos de sucesso estabelecidos nesta lógica industrial também mudaram”, pontua Yuri.
O neurocientista destaca que, se antes o ideal de sucesso profissional estava restrito a uma pessoa que vivia para trabalhar, com altos níveis de estresse e que comia na mesa do escritório, a nova geração tem como prioridade o equilíbrio entre produtividade, saúde e bem-estar. Da mesma forma, as empresas percebem que precisam de pessoas com saúde emocional, mental e física para manter a qualidade, o lucro e o potencial de crescimento.
“Não adianta colocar pessoas em escritório, ocupadas cinco a seis dias por semana, muitas vezes sem serem produtivas e lidando com ansiedade e depressão, se é possível reduzir despesas e aumentar lucros ao instituir uma rotina de trabalho equilibrada, na qual os colaboradores são mais focados, felizes e produtivos. Sem contar que isso gera menos despesas ao reduzir afastamentos e adoecimentos”, pontua o especialista.
Diversos países e empresas já experimentam a mudança, sendo alguns estudos, inclusive, anteriores à pandemia. A Microsoft Japão, por exemplo, testou em 2019 a semana de trabalho com quatro dias e concluiu que o nível de produtividade e felicidade dos colaboradores subiu em 40%, com o bônus de redução drástica em gastos administrativos como uso de papel e energia.


Nos Estados Unidos, o anseio por mudanças tem sido mais intenso. O abandono voluntário dos postos de trabalho no país — após a crise sanitária — foi chamada pelos estudiosos de “Grande Renúncia”, marcando um momento de mudança de mentalidade empresarial. Em números, 20 milhões de trabalhadores se demitiram desde o começo da pandemia em busca de trabalhos mais flexíveis.


O movimento é puxado pelos trabalhadores jovens. A fim de entender o fenômeno, a empresa norte-americana de serviços financeiros Jeffrey fez uma pesquisa e constatou que 32% dos jovens que se demitiram desde novembro de 2021 permaneceriam nos cargos por uma jornada de trabalho reduzida a quatro dias por semana.


Intraempreendedorismo
Entretanto, há questionamentos sobre os benefícios da jornada de trabalho de quatro dias para os colaboradores. Isso porque outro estudo, desta vez realizado na Nova Zelândia, revelou que nem sempre a medida se converte em mais tempo de descanso, já que as cobranças e demandas podem se intensificar pela redução e aumentar o estresse dos profissionais. Para o neurocientista, o fato é mais sobre adequação à nova rotina.
“Eu não acredito que esse seja um vilão verdadeiro. A cobrança por resultados já acontece em semanas que têm feriados e na própria jornada de cinco dias por semana. Essa exigência e expectativa por produtividade se mantém. Entretanto, é uma questão de maturidade dos colaboradores e da nova geração. Entender que, se por um lado, há menos tempo na empresa e mais tempo livre, as horas de trabalho precisam ser bem organizadas e aproveitadas”, destaca.
Caso essa mudança de mentalidade quanto às cobranças não mude, a redução pode se tornar insustentável para a empresa.


“É por isso que muitas transformações não acontecem. Quando a empresa cede um dia a mais de descanso, investindo no bem-estar dos colaboradores, as pessoas devem voltar para trabalhar quatro dias por semana no mesmo ritmo de antes, né? Trabalhar menos intensamente sem ser produtivo é um ganho unilateral apenas para o colaborador e, diante disso, a empresa não vê sentido. Precisa ser uma relação de troca”, alerta.


Para o neurocientista comportamental e especialista em produtividade, a máxima de produzir com mais qualidade em menos tempo traz não apenas uma maior qualidade de vida para o colaborador, como quebra a crença empresarial de que quanto mais tempo a pessoa passa em uma empresa, mais produtiva e competente ela se torna. Uma lógica que o neurocientista e especialista em produtividade considera arcaica.


“Dentro das empresas, a tendência é que cada vez mais pessoas invistam no chamado intraempreendedorismo, que é empreender dentro da própria empresa, dentro da carreira, buscando as melhores soluções para as demandas. A neurociência explica isso sob o viés de o cérebro realizar as tarefas de acordo com o tempo estabelecido, ou seja, se você tem muito tempo para resolver um problema, a tendência é adiar e procrastinar. A partir do momento que eu diminuí uma semana, a mente prioriza as demandas e ganha mais tempo de foco. É um boost, um superávit produtivo benéfico à empresa e ao colaborador”, pontua Yuri.

FONTE: PORTAL CTB

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